Tenho um pé na cozinha. Um
não, os dois. A cozinha é sempre aconchego para o meu cansaço. O melhor lugar
de uma casa. Com certeza o melhor lugar da minha casa. Palco de inesquecíveis histórias familiares e
relicário de aromáticas memórias afetivas. Cozinha e comida de mãe, afago
certeiro no coração. Não é por acaso que sou assídua no ambiente culinário do
meu lar. Com minha colher de pau, meu caderno de receitas e uma dose extra de
extravagância e imaginação, exerço plenamente minhas prendas gastronômicas. Em
minhas panelas tento replicar momentos eternizados no céu do meu paladar. De
posse dos meus apetrechos de forno e fogão, brinco então de ser a minha mãe, e
vou me lembrando das delícias de nossas conversas na cozinha, nosso santuário
de encontros. Misturo lembranças, afetos, ervas e temperos. E assim, embalada
pelas recordações desses dias que têm sabor de saudade, construo meu próprio
caminho no terreno dos sabores. Vou ensaiando uma dança ritimada de gestos
elaborados junto com os ingredientes e minha imaginação. Sigo as receitas, mas
dou sempre uma pitada da minha personalidade. Minha performance é uma saborosa
mistura de tudo que aprendi com a arriscada cartada do improviso. Porque cozinhar
exige feeling, aptidão e muitíssima
boa vontade. Sentimento é tudo na hora de preparar um alimento. Na cozinha
minha poesia borbulha fumegante enquanto apimento as palavras com originalidade.
Cozinhar é uma prece e uma arte também. É
demonstração de amor e é carinho e cafuné no apetite alheio. Receber quem a gente
quer bem em uma mesa preparada com capricho é uma linda forma de demonstrar
amor. Comida gostosa agrega família, amigos e tece fraternidade. A melhor
maneira de reunir pessoas é com uma comidinha feita com as mãos e com o coração
também. Ponto. Disso decorre reuniões acaloradas, com muitas risadas e mescladas
com regalos que encantam o paladar e satisfazem o apetite. Comida antes de tudo
tem que ter charme. Apresentação é a palavra chave. É claro que o sabor é imprescindível,
mas dizem que nós comemos primeiro com os olhos, e é verdade. Eu cozinho todos
os dias para minha família. E tento fazer disso uma oração diária, pois além de
presentear meus amados com uma alimentação saudável e bem feita, estou também
ensinando aos meus filhos que cozinhar é uma atividade prazerosa. Venho de uma
gama de grandes cozinheiros caseiros. Minhas avós, tias, pai, mãe e irmãos me
garantiram o gene certo para a cozinha. E para agregar talentos, ainda me casei
com outro grande chef. E eu que cresci em uma família grande onde
toda refeição tinha cárater festivo, perpetuo essa atmosfera em meu próprio lar
e faço da minha casa o reduto de encontro dos amigos, familiares e amigos dos
meus filhos, assim como sempre foi na casa de meus pais. Sou festeira, festiva
e adoro agraciar quem eu amo com belezas comestíveis. Faço poesia com palavras
e alimentos. E sei que estou
proporcionando lindas lembranças aos meus pequenos, transmitindo a eles o que
eu recebi como herança afetiva. Casa alegre é casa cheia, de gente, barulho,
plantas, bichos, bagunça, livros e também de mesa sempre posta com delícias
apetitosas. A atividade culinária se ensina principalmente com o exemplo, assim
como a leitura, educação e respeito à vida. Receber bem exige carinho,
acolhimento e atenção. Eu gosto, e muito. Sempre. E continuo com um pé na
cozinha. Um não, os dois.
Marisa Dionisio
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